Tuesday, August 10, 2010

A danca do cancer




justamente um dia depois da minha mae ter descoberto que cura de cancer nao acontece em 5 meses, ela passou o dia trancada no quarto e pouco comeu. Provavelmente, so' tomou seu tradicional cocktail verde pela manha, e, consequentemente nao tomou nenhum remedio como de costume. Passou o dia dentro do quarto, deitada e vendo televisao.

De minha parte, nao lhe encomodei, ate' por que tive que trabalhar o dia inteiro e tentando me convencer da melhor maneira de ter a tal conversa franca com ela.

Ao meu ver, ela esta' frustrada porque queria uma boa noticia, imediata e final, e isso nao aconteceu. E' dificil explicar para ela o que e' realmente o cancer e a situacao em que ela realmente esta'. Uma paciente que esta' no estagio 4 de cancer de seio, tem muito pouca chance de cura completa e rapida. E' processo lento, como uma danca que vai e vem, um passo para frente, outro para tras e assim vai. Os medicos aqui nunca lhe enganaram dizendo que ela ficaria boa curada em poucos meses! Ate' muito pelo contrario, disseram a ela que nao poderiam curar, mas sim controlar. Disseram a ela que tentariam uma serie de tratamentos ate' encontrar o mais adequado para ela. E que tudo dependeria de como o corpo dela reagiria a certos tratamentos.

Do meu ver, o tratamento ate' agora administrado tem resultado, porem nao tem contido a metastases. Ou seja, esta' diminuindo o que ja' foi ate' agora encontrado mais nao esta' necessariamente contendo o processo que espalha o cancer. Acho que, provavelmente, uma combinacao de outras drogas deveria resultar melhor. Ja' estamos cerca de 6 meses dentro do tratamento, neste ponto poderiamos ser capazes de avaliar o quadro geral dela. Provavelmente, aquilo que os medicos estam usando como alternativa, acaba por indicar que o tradicional deveria resultar melhor, ou seja, a quimioterapia "per se".

Contudo, nada podera' ser feito sem que a minha mae decida realmente se quer ficar aqui. No momento sinto que ela quer desesperadamente voltar para o Brasil, e que so' esta' aqui porque todos os amigos, familiares e conhecidos aconselham que aqui e' o melhor local para ela se tratar. Ou seja, ela nao esta' decidindo, esta' sendo forcada, ainda que passivamente, a decidir. E isso lhe esta' frustrando, irritando, deprimindo, contrariando...E me faz pensar no que realmente lhe esta' causando mais danos.
Mas a minha posicao e' complicada, pois e' claro que quero que ela fique aqui onde eu posso cuidar dela, ainda que sem muito tempo fisico de estar ao lado dela, mas reconhecendo que eu tenho a melhor possibilidade para oferecer-lhe os cuidados que ela necessita mais que qualquer um dos meus irmaos, mas definitivamente, nao posso lhe obrigar a ficar...nao posso ter que discutir com ela toda vez que eu lhe oferecer um medicamento...ou toda vez que eu lhe ofereca um alimento mais saudavel...ou uma agua mais pura...ou um pao com menas farinha...ou cozinhe com oleo menos saturado...ou quando busque alternativas para o acucar...

Para mim, e' muito dificil ligar com as queixas e defeitos que ela encontra em tudo que lhe pode ajudar a vencer o cancer!

No momento, nem sei se ela acredita na traducao que eu faco quando lhe levo ao medico. Acho que, na proxima vez, pedirei uma pessoa amiga para ir com ela ao medico para que ela se sinta mais vulneravel, mas tambem mais livre da desconfianca que eu possa estar "pintando" o quadro mais bonito que ele realmente e'.

O fato e' que a minha mae esta' com cancer! Sim, existem varios tumores espalhados pelo corpo. Mas ela nao esta' morrendo, esta' saudavel...o cancer nao esta' em nenhum orgao vital que lhe posso causar danos permanentes a sua saude. Sim, e' claro que esse quadro pode mudar, mas no momento ela tem todas as razoes para lutar e para acreditar que ira' vencer. Nao ha' aqui culpas ou culpados. E, como diz o vice-presidente do Brasil, cancer nao e' desculpa para morte pois Deus pode matar sem cancer, e se ele nao quizer matar, nem cancer mata!

Mas a minha mae, ao meu ver, ve sua volta ao Brasil a sua unica possibilidade de melhora...nao sei por que...seja porque eu me recuso a fazer o tal xarope de babosa que ela acredita que lhe curaria...ou simplesmente por que esta' com saudades e essa saudade e' mais importante que sua saude.

Monday, August 9, 2010

Um dia mais...

Hoje, finalmente, fomos fazer uma nova mamografia...em busca dos tumores presentes, mas nao mais aparentes.

Depois de quase tres horas de espera, me chamaram para traduzir os resultados da mamografia. Um jovem medico veio ao meu encontro na sala de espera do departamento de tratamento do seio do Parkland Hospital. A minha mae ja' havia entrado ha' mais de 1 hora...eles haviam prometido que, se houvesse necessidade, eles me chamariam. E assim foi!

Encontrei a minha mae numa sala escura onde outros medicos manuseavam visores digitais e interpretavam imagens. E eu o medico nos juntamos a ela. O medico havia dividido a tela digital em duas partes, uma que mostrava as mamografias anteriores e as de hoje. Desta vez achei as imagens mais confusas em comparacao a minha lembranca das anteriores, porem logo reconheci aquele formato estranho...aquela "virgula expectral". O medico, muito educadamente explicou que os tumores ainda estavam la', que haviam, na sua maioria diminuido em umas partes, mas crescido em outras. Naquele momento, so' pude traduzir parte da conversa, pois eu mesmo estava confuso. O medico explicou que o tumor havia perdido densidade, por isso se tornara dificil de ser detectado de maneira tactil. E que, inclusive, o tumor que estava debaixo do braco esquerdo, havia desaparecido por completo. O medico disse que, positivamente, o cancer estava respondendo ao tratamento. Ou seja, havia progresso. Pedi para ele dar numeros, porcentagem ao progresso. E ele respondeu que considerava uma melhora de 30 a 50%.

Para mim, eram boas noticias, mas a minha mae nao percebeu desta maneira. Ela so' queria saber se o cancer ainda estava la' e porque, se ela ja' nao sentia mais os vultos. Tentei explicar, mas ela nao queria ouvir. Chorou. Para ela, tudo que queria ouvir e' que nao havia mais nada nos seios. Ela estava se decepcionando. Na sua maneira de pensar, seu cancer estava com os dias contados e brevemente ela arrumaria suas malas e partiria rumo ao Brasil para rever seu neto, sua casa, seus filhos...amigos. Na sua maneira de pensar, nao havia duvidas...o fato de nao poder mais sentir o cancer era sinal de melhora absoluta e nao parcial.

Tudo se complicou ainda mais quando eu pedi para ver o resultado da tumografia anterior que ela havia tirado na sala de emergencia do hospital a pouco mais de uma semana atras, que eu nunca havia tido a chance de examinar pessoalmente. Essa tumografia revelou que os conhecidos tumores havia diminuido, mas ao mesmo tempo revelou que apareceram outros, ou pelo menos um de 4 milimetros na regiao toraxica junto a vertebra numero 11. Alias a tumografia revelou que ha' tumores, ou lesoes, como eles chamam, junto as vertebras 9, 10 e 11, e na regiao lombar junto a vertebra numero 1. A tumografia tambem revelou que ha' uma serie de pequenos nodulos nos pulmoes que devem ser vigiados devido ao estado clinico do paciente, mas nao revela tumor ou massa sequer.

Essa parte deixou a minha mae ainda mais desorientada...fez com que ela esquecesse toda a melhora aparente e se concentrasse apenas na parte ma' da noticia. Apartir dai' foi um furacao de emocoes, que culminou me atirando na cara a demora do diagnostico. Agora a culpa era minha por ter demorado tanto em leva-la ao medico quando ela primeiramente comecou a se queixar das dores na costela desde novembro passado. Agora, se nao havia melhora, ela queria voltar ao Brasil. Chorou varias vezes...se recusou falar com a minha irma, se trancou no quarto o dia inteiro!

Notei que ela nao tem tomado o anti-depressivo. Me queixei, mas ela argumenta que os remedios nao lhe estam fazendo efeito que, "...o que adianta se os tumores do peito estao diminuindo se os demais estao se multiplicando..."

Agora mesmo, eu nao sei o que lhe dizer...ela nao me escuta. Ou melhor, se recusa a me escutar. Sem se expressar desta maneira, ela parece apenas querer ir para o Brasil e experimentar o tal xarope de babosa que, segundo ela, lhe ajudaria.

Sinceramente, por mais que me doa, eu ja' nao tenho mais argumentos. Ela esta' lucida, em pleno uso das suas faculdades mentais e eu nao lhe posso forcar a medicar-se e muito menos permanecer aqui contra a sua vontade. Ela parece querer ir, mas porque todos lhe aconselham o contrario, ela se sente culpada em manifestar-se. Da mesma maneira que eu me sinto culpado em lhe incentivar a ir. Como poderia eu?

Decidi que vou esperar a "poeira" baixar, e ter uma conversa clara e franca com ela, e lhe perguntar o que ela realmente quer fazer...pois ela me faz sentir muito mal, como se eu estivesse lhe obrigando a se tratar contra a sua propria vontade...Agora, tudo que ela quer e' tranferir a culpa para outro. Como ja' disse antes, hoje ela ja' me culpou do cancer (a minha demora em leva-la ao hospital para descobrir a doenca!). E eu estou genuinamente cansado, esgotado com tudo isso. Tentarei, uma vez, envolver meus irmaos nessa decisao e ver o que podemos fazer, pois eu ja' nao tenho argumentos, nem sei mais o que lhe dizer sem que ela consiga deviar para um lado imaginario. Nem sei mesmo se alguma vez sucedi em lhe explicar o que e' cancer, pois ela, com certeza, ainda nao entendeu a gravidade e a extencao dessa doenca e realmente acreditava que, depois de 5 meses de tratamento, estaria completamente curada e esta' verdadeiramente desapontada porque nao aconteceu assim. E., como tudo que eu falo, ela tem que discordar, e' uma luta que eu nao posso vencer.

Sunday, August 1, 2010

Nao aparente, mas presente!

Ontem foi um dia complicado!

Depois de passear com os meus cachorros, encontrei a minha mae chorando no patio. Dizia sentir dores desde as 4 da manha. Descrevia as dores como uma sensacao de aperto no abdomem, abaixo do seio esquerdo, onde estava inchado e duro. Ela cogitou a possibilidade do cancer ter se espalhado para aquela area...insistiu que a agua estava lhe causando as dores e sensacoes de vomito...

Para falar a verdade, nao tive muita paciencia em lidar com o quadro...fui taxativo em defender a agua e me recusei a ter isso mesmo em consideracao. Insisti em levar-le ao hospital. Ela recusou e recusou inumeras vezes depois. Me frustrei. Conversei com a minha irma por muito tempo e varias vezes, tentando dividir minhas frustracoes. No meu ver, a minha mae quer mais atencao e mais carinho que eu sou incapaz de oferecer, ate' por que tenho que trabalhar para sustentar todos os gastos que o cancer exige...nem pouco tempo para ficar em casa, o pais esta' em crise...ha' que fazer mais e ganhar menos para sobreviver...

Bem, sao essas todas as desculpas reais que eu nao tenho como fugir. Simplesmente, nao posso estar em casa tratando a minha mae como se fosse uma crianca de 2 anos. No momento, so' posso trata-la como um adulto que deve estar ciente que tem uma doenca grave e que apenas pode ser tratada dentro de certas condicoes e que deveria entender que eu estou tentando o possivel e impossivel para propriciar este tratamento que eu creio que ela jamais teria acesso em qualquer outro lugar do mundo. Simplesmente, eu nao posso oferecer mais! Nao tenho como!

Tambem conversei com uma amiga que e' psicologa e que me ajudou muito. Ela me relembrou da dinamica do relacionamento que eu agora tenho com a minha mae, que agora eu, mesmo que, por boa vontade, cheio de amor, estou lhe tratando como um pai severo por que escolho o que ela deve comer, como deve comer, o que deve beber, como deve beber, e ate' que vicios deve manter...e que, para um adulto, isso e' uma especie de invasao, crueldade benefica que nem todo mundo sabe bem como lidar. Minha amiga psicologa sugeriu que eu envolvesse mais a minha mae nas decisoes do tratamento, mesmo tendo em consideracao que ela nao entende e/ou se interessa minimamente por esse assunto. A minha mae entenderia muito pouco de divisao celular, sistema imonologico ou PH! Mas nenhum desses "detalhes" deveria ser importante, apenas o involvimento ja' bastaria.

Sim, ate' agora, eu simplesmente acho a imformacao, pesquizo, recolho opinioes e acrescento ou nao o suplemento alimentar na dieta da minha mae, sem mesmo lhe consultar, ate' porque sei bem que ela nao entende do assunto e parto do principio que ela entende que eu quero o melhor para ela. Mas, infelizmente, isso nao tem funcionado. De vez em quando, ela procura meios de discordar ou encontrar defeitos em certas comidas, certos suplementos...e agora, mais recentemente, a agua.

A minha amiga psicologa tambem acha que a carencia da minha minha mae esta' actuando fortemente no comportamento dela. A minha mae sente falta do resto da familia, dos seus amigos, sua casa, seu entorno, seu neto e etc. O que eu entendo. E, como eu nao estou presente para preencher essas lacunas, ela se frustra.

Ontem, seria meu dia de folga, mas porque as coisas tem andado tao fracas por aqui, eu me ofereci para trabalhar e fazer algumas horas extras - mas a minha mae nao sabia! Pois e'...ela ficou doente, mas nao posso assumir qye foi intencional ou consciente.

La' pelas 3 da tarde, depois de longa conversa com a minha amiga psicologa e minha irma, mudei minha "tactica": fui ao quarto da minha mae e lhe perguntei o que deveriamos fazer, pois ela estava sentindo dores, nao queria tomar remedios e nao queria ir ao hospital. Perguntei a ela: "O que a senhora quer fazer?" Relutantemente, pois nem falar ela queria, era como se a dor tivesse atingido suas cordas vocais, ela disse que queria ir ao hospital.

A caminho do emergencia do Parkland hospital em Dallas, notei que ela parecia estar melhor, mas mesmo assim comecei a fazer planos para a noite que me esperava. Contactei amigos e a minha companheira e esperava que eles me ajudassem a conciliar o turno da noite que me esperava no trabalho e a jornada de emergencia do Parkland. Mas, de repente, a minha mente clareou, e eu sabia que a jornada na sala de emergencia levaria horas...horas esperando a bateria de exames, sem muita coisa acontecendo durante o intervalo. Lembrei que eles teriam interpretes e achei uma boa ideia deixar a minha mae ouvir literalmente dos medicos sem que eu estivesse presente. Quando tudo ja' estava practicamente certo, encontramos ainda um funcionario dos servicos de emergencia local que e' brasileiro e que estaria de servico ate' as 11 da noite. Desta maneira, fui trabalhar descansado, deixando a minha mae no Parkland com a sua propria teimosia...havia deixado de ser o "pai" mandao para ser o filho outra vez.

Minha mae voltou do hospital cerca de meia-noite. Os medicos me ligaram varias vezes e disseram que nao encontraram nenhuma razao para as suas dores abdominais. Ela estava com fome, mas nao quis comer. Parecia chateada e queria pouca conversa. E eu a deixei como ela queria.

Hoje a minha irma conversou com ela e ela revelou que os medicos disseram que o cancer ainda estava la', que nada havia mudado. Eu, pessoalmente, nao sei o que os medicos disseram, mas nao estou surpreso do cancer ainda esta' por la' pois o fato de nao estar mais aparente nao quer dizer que nao esteja presente. Mas a minha mae percebe tudo da maneira que ela quer, e, para ela, nao estar visivel tinha um significa maior que realmente tem.